Por Sofia Jucon
Jornalista especializada em Meio Ambiente e Sustentabilidade; redatora da revista Meio Ambiente Industrial; foi conselheira do Cosema (Conselho Superior de Meio Ambiente) da Fiesp; editora do Canal Ecowords
Com o objetivo de melhorar a quantidade e qualidade dos inventários de Avaliação de Ciclo de Vida (ACV) que representam o Brasil, através de minuciosa adaptação de datasets (inventários de processo e metadados) relevantes para implementar a ACV nas empresas brasileiras, a Rede ACV concluiu, no mês de agosto, o projeto da sua “Pedra Fundamental”. A conquista contribui com a representatividade de dados nacionais, aumenta a qualidade de estudos brasileiros e, consequentemente, inaugura uma nova fase na gestão da Avaliação de Ciclo de Vida no Brasil.
Iniciado em março de 2020, o projeto foi gerido pelo Grupo de Trabalho Banco de Dados da Rede ACV, coordenado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict), responsável pelo SICV Brasil – Banco Nacional de Inventários do Ciclo de Vida brasileiro. O processo de revisão dos datasets foi acompanhado por um Comitê Técnico de especialistas, durante o qual houve alinhamentos junto a atores estratégicos, como a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), e a verificação por parte de técnicos especialistas da ecoinvent, associação suíça, reconhecida mundialmente pela disponibilização de banco de dados para estudos de ACV.
Para concretizar o projeto foram conduzidas quatro reuniões com o Comitê Técnico da Rede ACV e também ocorreram ações importantes conduzidas por representantes da Petrobras e ANP. A concordância da associação internacional, ecoinvent, com as premissas da Pedra Fundamental oportunizou a apresentação do projeto à UNEP, em 19 de novembro de 2020, em evento que contou com mais de 190 participantes, de mais de 40 países. A finalização de todas as revisões por terceira parte, indicadas pela ecoinvent, ocorreu em agosto de 2021. A publicação na versão 3.8 foi feita pela ecoinvent em setembro, também disponibilizando todos os novos datasets no SICV.
Marília Folegatti, pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente, membro do Comitê Deliberativo da Rede ACV e coordenadora do GT Banco de Dados, desta Rede, e do GT Inventários, do Programa Brasileiro de Avaliação de Ciclo de Vida (PBACV) comemora: “a conclusão do projeto Pedra Fundamental é um grande feito para a comunidade brasileira de ACV! A identificação dos inventários prioritários foi extremamente feliz. Foram elencados os inventários que, de fato, estão na base da economia e que participam do ciclo de vida de uma enormidade de produtos”.
Além disso, Marília informa que os inventários correspondem a produtos e serviços cuja produção ou execução no Brasil se diferencia do restante do mundo: “nossa matriz energética é mais limpa e nosso diesel é adicionado de uma fração de biodiesel, de natureza renovável. Também nossos modais de transporte têm suas particularidades. A recontextualização desses inventários para o contexto brasileiro garantem que esses processos e serviços sejam melhor representados, e que os estudos de ACV que os utilizam sejam mais realistas, endereçando a ações mais assertivas”, explica.
Visibilidade internacional para a comunidade ACV
Nesta primeira etapa, a Pedra Fundamental contribui com perfis representativos de Energia Elétrica, Diesel, Gás Natural e Transporte Rodoviário de Carga. Segundo a coordenadora do GT Banco de Dados da Rede ACV, esses conjuntos de dados foram escolhidos por apresentarem contribuição significativa em vários processos industriais no Brasil e estarão disponíveis na ecoinvent e no SICV Brasil para consulta de todos os interessados no tema.
Portanto, a Rede ACV informa que a iniciativa visa aumentar a quantidade e qualidade dos inventários que representam o Brasil, por meio de minuciosa recontextualização dos datasets que serão concedidos pela ecoinvent com base em acordo de colaboração. Os resultados desse trabalho serão submetidos ao SICV Brasil para que sejam disponibilizados para toda a comunidade de ACV, além de estarem integrados à ecoinvent, que será responsável pela manutenção e atualização desses datasets em versões posteriores da base de dados.
Para Marília Folegatti, a publicação dos datasets na base de dados ecoinvent e no SICV-Brasil também merecem destaque. A primeira, segundo ela, pelo fato de ser o maior e mais respeitado banco de dados para ACV do mundo. A pesquisadora ressalta que é utilizada por mais de 80 países e por uma ampla gama de instituições, incluindo gigantes do setor agroindustrial, como Unilever, Nestlé, Coca-Cola, Bayer e DuPont, as principais empresas de consultoria do mundo, entre elas Deloitte, Ernst-Young e KPMG, e as principais instituições de pesquisa internacionais, como as universidades de Harvard, Cambridge e Tokio e os institutos MIT (EUA), Instituto de tecnologia de Beijing (China) e Instituto de Energias e Recursos (Índia). “Neste sentido, a recontextualização dos datasets refletirá nos resultados de avaliação de ciclo de vida de uma parcela muito significativa do globo”, acentua a executiva.
Quanto ao SICV-Brasil, Marília diz que é o banco de dados de ACV dedicado ao ambiente nacional, embora se pretenda vinculá-lo a uma rede internacional de banco de dados. “É de natureza pública e gratuita. Popular, este banco de dados é prioridade do PBACV, assim como da Rede ACV, que trabalham em cooperação”, explica.
Além de ser parceira no projeto “Pedra Fundamental”, do Grupo de Trabalho Banco de Dados da Rede ACV, onde cede seus datasets para serem recontextualizados à realidade brasileira disponibilizando-os na sequência e sendo responsável pela sua atualização, a associação suíça, ecoinvent, contribui com a visibilidade internacional da Rede ACV e trabalha em sinergias entre as propostas, como o debate em torno da Economia Circular e da ACV Social, por exemplo.
Segundo Carl Vadenbo, gerente técnico do projeto na ecoinvent; e Emília Moreno Ruiz, diretora interina da ecoinvent e especialista envolvida no desenho da colaboração com a Rede ACV, para a equipe da ecoinvent localizar e reunir dados confiáveis e consistentes sobre todas as partes relevantes das cadeias de valor para um determinado sistema de produto é uma tarefa enorme. “A fraca disponibilidade ou falta de acesso a este tipo de informação é provavelmente um dos principais desafios que os profissionais da sustentabilidade enfrentam no Brasil e em todo o mundo”, consideram.
“As bases de dados de ACV podem reduzir este obstáculo, fornecendo uma forma ou infraestrutura digital sobre a qual construir, permitindo aos profissionais e pesquisadores de ACV concentrar os seus esforços nas partes do sistema que mais importam, por exemplo, com base na relevância esperada para os resultados ou que estão sob a influência direta do tomador de decisão”, destacam os membros da equipe da ecoinvent.
Carl esclarece que os datasets desenvolvidos no âmbito da fase de conclusão do projeto da Pedra Fundamental abrangem atividades no centro da economia no Brasil. “Com mais dados representativos da situação local, esperamos que a Pedra Fundamental contribua para aumentar a confiança na ACV como instrumento de apoio à decisão no seio da comunidade empresarial brasileira e outros setores”, salienta.
Apoio da ACV na transição para uma economia mais sustentável
Além disso, a revisão do banco de dados de ACV brasileiro e sua recontextualização, aprovada por especialistas indicados pela ecoinvent, está sendo vista como uma importante iniciativa para o desenvolvimento sustentável das empresas e da sociedade brasileira, principalmente neste momento em que todos expressam anseios positivos com a retomada socioeconômica pós-pandemia no País.
Atingir um patamar em que os conceitos no âmbito do Pensamento de Ciclo de Vida da Avaliação de Ciclo de Vida tornem-se ferramentas para determinar a sustentabilidade dos produtos traz grandes benefícios. Dessa forma, Tiago Barreto Rocha, da ACV Brasil, consultor e parceiro da Rede ACV, lembra que nos últimos anos a ACV tem ganhado cada vez mais importância no cenário mundial e no Brasil, como uma poderosa técnica capaz de auxiliar a transição para uma economia mais sustentável.
Ele ressalta que por meio da ACV, empresas e sociedade podem quantificar suas pegadas ambientais e planejar ações de mitigação. “Este processo de quantificação exige uma enorme quantidade de dados, de informações ambientais de diversos processos produtivos ao redor do mundo. E é importante que os dados sejam de boa qualidade para gerar resultados confiáveis. Esta iniciativa permitiu que todos tenham acesso a dezenas de novos dados ambientais que melhor representam o contexto produtivo nacional”, declara Rocha.
O projeto ganha mais validade ainda quando se constata que o custo de obtenção de inventários para o Brasil ainda é bastante alto, visto o baixo nível de investimento em pesquisa no País. Diante disso, Thiago Oliveira Rodrigues, pesquisador da Coordenação de Tecnologias Aplicadas a Novos Produtos, do Ibict, destaca que a Pedra Fundamental da Rede ACV é um grande avanço para o desenvolvimento da ACV nacional e, consequentemente, para a sustentabilidade das empresas e da sociedade brasileira. “Por isso, a recontextualização de inventários estratégicos para a economia brasileira é um caminho importante para disponibilizar em nível nacional informação confiável sobre o perfil ambiental desses produtos e apoiar as empresas e a sociedade para tomadas de decisão mais conscientes”, aponta.
Para Juliana Picoli, do Ciclo de Vida Aplicado – CiViA, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a iniciativa da Pedra Fundamental permite a obtenção de dados e respectivos inventários que melhor retratem os processos produtivos brasileiros, aumentando a qualidade e a representatividade dos estudos e facilitando o processo de tomada de decisão das empresas rumo a sistemas mais sustentáveis.
Uniformidade dos dados na cadeia de valor
Em concordância de que os dados são relevantes para tomada de decisões empresariais, Yuki Hamilton Onda Kabe, do Departamento de Desenvolvimento Sustentável da Braskem, ressalta que métricas quantitativas são necessárias para uma gestão adequada e a Avaliação de Ciclo de Vida é a forma de medir a sustentabilidade de produtos e serviços. Além disso, o executivo informa que a qualidade de um estudo de ACV depende muito da qualidade dos dados usados para a realização destes estudos e usualmente a coleta de dados é a etapa mais custosa, tanto financeiramente quanto em tempo.
“Como é impossível coletar dados de todos os processos envolvidos em todas as etapas da cadeia de valor, há a necessidade de se utilizar bases de dados para os processos de background, ou seja, aqueles que não estão diretamente relacionados com o produto ou serviço analisado, mas que podem influenciar significativamente o desempenho ambiental destes produtos”, afirma.
Yuki Kabe lista ainda que existem alguns processos que são comuns a quase todas as atividades econômicas, tais como combustíveis, eletricidade, transporte, entre outros, e, segundo ele, são esses processos justamente o escopo desta primeira entrega da Rede ACV para o SICV Brasil. “Ter dados de boa qualidade desses processos especificamente adaptados para a realidade brasileira aumenta consideravelmente a qualidade e a precisão de estudos realizados no Brasil”, afirma e acentua: “isso vai trazer maior uniformidade aos estudos permitindo maior comparabilidade dos resultados”.
Kabe destaca ainda os ganhos que o projeto propiciará ao Brasil em termos globais. “Capturar as especificidades da economia brasileira, uma vez que, por exemplo, 40% de nossa matriz energética primária é renovável e poder, de forma confiável, transparente e com reconhecimento internacional, demonstrar esses diferenciais pode significar um aumento da competitividade brasileira no cenário internacional”, atenta.
Ele utiliza o exemplo do Green Deal, da União Europeia, o qual prevê uma precificação de carbono, ou seja, os produtos mais intensivos em emissões de Gases de Efeito Estuga (GEE) serão mais caros. “Para evitar que processos intensivos em GEE migrem para fora da Europa e exportem seus produtos de volta para a União Europeia, ela lançou recentemente o CBAM (Carbon Border Ajustment Mechanism), que prevê que as emissões associadas a produtos importados sejam taxadas de acordo com as regras de precificação de carbono europeia”, explica. Dessa forma, segundo Yuki, se o produto importado for menos intensivo em GEE que o produto europeu ele terá uma vantagem competitiva neste mercado. “Para demonstrar este tipo de vantagem competitiva é importante ter uma base de dados nacional robusta e confiável. Demos o primeiro passo nessa direção!”, celebra.
A ANP, que participou como validadora técnica não-associada do processo de revisão dos datasets, destaca alguns diferenciais que o projeto vai trazer para o Brasil no setor de combustíveis. Jardel Farias Duque, especialista em Regulação da Superintendência de Infraestrutura e Movimentação (SIM), da ANP, conta que junto com outros colegas da agência, auxiliou a equipe da ACV Brasil na avaliação dos dados fornecidos pela ANP sobre o mercado de combustíveis e, qualitativamente, com impressões sobre a metodologia utilizada.
“A iniciativa de aprimoramento das bases de dados de emissões dos insumos básicos da economia, tal como o óleo diesel, são fundamentais para que academia, indústria e governo tomem decisões mais acertadas e embasadas quanto às emissões geradas no ciclo de vida de todos os demais produtos, contribuindo para a garantia do direito constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”, avalia Duque.
Dados que representam a realidade brasileira
Segundo Marília, a Embrapa, como instituição governamental, também tem oferecido sua contribuição em ações de “tropicalização” de inventários e publicação nesses mesmos Bancos de Dados (ecoinvent e SICV-Brasil), embora focada em produtos do agronegócio brasileiro. Ela conta que em setembro de 2019, publicou na versão 3.6 do ecoinvent mais de 130 datasets de produtos agrícolas e agroindustriais e mais de 400 datasets de Mudança de Uso da Terra. “Todos os datasets compatíveis com a estrutura do SICV-Brasil também foram publicados nesse banco de dados”, completa.
A atualização dos dados brasileiros foi viabilizada pelo projeto ICVAgroBR, coordenado pela Embrapa Meio Ambiente e financiado pelo programa Sustainable Recycling Industries (SRI), da Secretaria de Assuntos Econômicos do governo Suíço. Marília frisa que outros setores da economia, como construção civil, foram apoiados pelo mesmo programa e estão hoje se preparando para inserir os seus inventários no SICV-Brasil.
Por parte da EnCiclo Soluções Sustentáveis, Edivan Cherubini, consultor em sustentabilidade, que compôs o painel de especialistas no projeto da Rede ACV, declara que neste momento no qual entramos no Decade to Deliver e que várias empresas têm se comprometido em alcançar neutralidade de emissões e redução de impactos na cadeia de valor, é essencial a disponibilidade de dados que se aproximem da realidade e contexto das empresas. “Afinal se não sabemos o quanto estamos emitindo e onde são geradas essas emissões, como podemos definir metas e estratégias para reduzi-las?”, indaga.
Nesse contexto, Cherubini destaca que a iniciativa da Rede ACV como contribuição para as empresas e sociedade brasileira será crucial para conduzir projetos de ACV e pegadas de carbono que representam as realidades brasileiras, o que aumenta a acuracidade dos resultados. “A partir da Pedra Fundamental, temos dados mais próximos da realidade brasileira para atividades que são comuns a praticamente todos os setores, reduzindo a incerteza na tomada de decisão sobre quais ações as empresas precisam priorizar para reduzir ao máximo suas emissões”, observa.
Por parte das empresas, consideradas as principais usuárias dos datasets revisados, Maria Augusta Bottino Gonçalves Santos, coordenadora de Sustentabilidade da Suzano, afirma que a iniciativa da Rede ACV é de grande relevância para o setor produtivo. “A complexidade da nossa realidade, e das problemáticas que hoje enfrentamos como sociedade, torna cada vez mais evidente a necessidade de avaliações sistêmicas realistas, que considerem as várias dimensões das cadeias produtivas, suas intersecções e impactos”, avalia e, acrescenta: “o fortalecimento e o embasamento técnico-científico dos dados que são base e sustentam esse tipo de avaliação são fundamentais para que possamos refletir, verdadeiramente, a realidade produtiva brasileira, tanto no contexto nacional, quanto no internacional, suportando a capacidade de atuar cada vez mais estrategicamente em cima de processos críticos, enquanto iniciativa privada, sociedade e/ou governo”.
As motivações que levaram diversos agentes da sociedade nacional e internacional a apoiarem o projeto da Rede ACV são inúmeras e demonstram a assertividade da entidade em desbravar a ACV com eficácia visando resultados a longo prazo. No caso da ecoinvent, Carl Vadenbo comenta que a associação é uma organização sem fins lucrativos dedicada a aumentar o acesso aos dados para avaliações ambientais sustentáveis em todo o mundo. “Por conseguinte, está dentro da nossa missão se envolver em projetos destinados a melhorar a disponibilidade de dados da ACV em várias escalas e âmbitos geográficos. Portanto, como editora da base de dados de ICV, a exemplo da parceria efetuada com a Rede ACV no Brasil, a ecoinvent apoia milhares de utilizadores em todo o mundo com informação de base transparente, fiável e consistente para avaliações de sustentabilidade baseadas no ciclo de vida”, destaca.
“As iniciativas nacionais de bases de dados de ACV são complementares às bases de dados globais (como a base de dados ecoinvent) uma vez que são mais flexíveis para responder às necessidades locais de – e disponibilidade de – dados de ACV regionalizados”, diz Vadenbo. Conforme ele, essas iniciativas atuam também como motores locais para integrar o pensamento sobre o ciclo de vida e para promover a aceitação e aplicação prática da ACV. “Assim, o projeto da Pedra Fundamental da Rede ACV foi uma grande oportunidade para expandir a já forte ligação da ecoinvent à vibrante e crescente comunidade de ACV no Brasil, beneficiando tanto os utilizadores de SICV Brasil como a base de dados ecoinvent”, reflete.
Ferramentas inovadoras expandem o uso da ACV
Todo o processo de desenvolvimento da Pedra Fundamental foi bem-sucedido graças à participação de especialistas, validadores técnicos, patrocinadores e apoiadores que atuam nas mais diversas esferas produtivas, acadêmicas e institucionais do País. Yuki Kabe, da Braskem, menciona, por exemplo, que o processo foi conduzido com muita competência técnica por parte da ACV Brasil e destaca a importância do uso da tecnologia e da inovação para conduzir os trabalhos.
“Quando uma adaptação da eletricidade brasileira, por exemplo, é realizada, isto influencia todos os outros processos da base de dados, já que quase todos usam eletricidade. Isso requer que toda a base de dados precisa ser reconfigurada para usar esta eletricidade adaptada à realidade brasileira. Como editar manualmente toda a base de dados é demasiado custoso e demorado, a ACV Brasil desenvolveu uma ferramenta computacional que permitiu avaliar que outros itens da base de dados deveriam ser priorizados porque são fortemente influenciados pela eletricidade, por exemplo”, explica.
Segundo Yuki, essa ferramenta computacional é inédita no mundo e permite uma nova classe de análises que é saber a influência de determinado processo em toda a base de dados. “Numa base de dados suficientemente grande e que possa ser considerada como representativa da economia, esta tecnologia poderia, em tese, avaliar onde investimentos são mais efetivos para redução de impacto ambiental”, aponta.
A experiência de executar esse projeto representando a ACV Brasil foi muito significativa para Tiago Barreto Rocha. De acordo com ele, disponibilizar informações de qualidade que melhor representem o Brasil na base de dados ecoinvent tem sido um sonho da ACV Brasil há algum tempo. “Mas conhecíamos os desafios técnicos de acesso às informações, a necessidade de dialogar com múltiplos atores, além das limitações no financiamento. Então, ver os avanços, os acordos bem costurados e os resultados do projeto são sensações muito gratificantes”, declara.
O executivo informa que a execução dos trabalhos contou com os apoios determinantes do colaborador Fábio Valebona, da Rede ACV, e do seu sócio na ACV Brasil, Felipe Lion. “Superamos os desafios da obtenção de informações públicas de qualidade e da submissão dos dados, o que culminou na conquista final de ter uma representação melhor e ainda mais confiável na ecoinvent sobre processos relevantes para a economia brasileira, disponíveis para todo o mundo em breve por meio da plataforma SICV”, ressalta.
Resultados em prol do bem comum
Thiago Oliveira Rodrigues, do Ibict, destaca que suas impressões sobre o processo de desenvolvimento do projeto foram as melhores possíveis. “Os profissionais envolvidos são referências tanto no Brasil quanto no exterior, fato evidenciado na confiança que a ecoinvent, detentora dos inventários originais, depositou nesse projeto”, menciona.
Thiago comenta que a gestão do projeto também foi exemplar. “O trabalho da Rede ACV deve ser um espelho de como administrar iniciativas tão diversas como essa, com o envolvimento de atores do governo, da indústria e da academia, além de uma instituição internacional”, demonstra.
Para ele, participar desse projeto é um grande privilégio. “É um projeto que traz benefícios que vão além da disponibilização dos inventários em si. Muito aprendizado com as técnicas empregadas na recontextualização e com a gestão de projetos interinstitucionais que envolvem governo, setor produtivo, consultorias e academia em prol de um bem comum. É uma experiência que incrementa minha atuação dentro do próprio Ibict”, afirma.
Juliana, da FGV, também destaca que o projeto, idealizado pela Rede ACV, foi conduzido de forma brilhante pela ACV Brasil, superando as expectativas de forma muito positiva. “Foi um trabalho muito importante para toda a comunidade de ACV, que se beneficiará com os datasets gerados pelo Projeto”, destaca. Segundo a executiva, ao todo cerca de 30 datasets de importantes setores foram recontextualizados para a realidade brasileira. “O trabalho de reconexão de datasets críticos também foi fundamental para ampliar o impacto do projeto”, lembra.
Contribuir com a experiência da FGV no projeto soma para os propósitos da entidade em relação à ACV. Juliana comenta que no FGVces eles sempre buscam agregar a ACV ao conjunto de temas e ferramentas para a gestão em sustentabilidade das empresas, por isso, foi ótimo ter participado desse projeto tão importante para a comunidade de ACV no Brasil. “As reuniões do Comitê Técnico eram sempre muito ricas. Eu sempre aprendia muito e ficava surpresa com a qualidade do trabalho que estava sendo construído! Foi uma honra participar desse projeto!”, acrescenta.
Uma vez publicados os datasets, Jardel Farias Duque, da ANP, expressa que sua impressão pessoal é de que a equipe dedicada ao projeto, com quem teve contato em algumas reuniões, é tecnicamente capacitada na coleta e no tratamento dos dados públicos e soube buscar soluções adequadas para contornar eventuais restrições impostos pela limitação de granularidade e qualidade desses dados.
Diante da experiência dele na ANP, participar desse projeto como validador técnico foi uma grande satisfação. “Fico satisfeito em poder auxiliar a sociedade civil organizada em ‘navegar’ pelos dados públicos disponíveis sobre o mercado de combustíveis e contribuir, mesmo que em parte muito pequena, com uma iniciativa técnica de melhoria da sustentabilidade dos produtos”, salienta.
Facilitador para decisões estratégicas
Edivan Cherubini, da EnCiclo, que participou como especialista no projeto, avalia que o processo foi muito bem conduzido por todos os parceiros do projeto. Em sua opinião, a otimização realizada via software para uma adaptação em massa dos datasets reduz a probabilidade de erros e facilita a harmonização da adaptação de diferentes conjuntos de dados, além de aumentar a abrangência de datasets que puderam ser recontextualizados para a realidade brasileira.
Para ele, foi uma experiência enriquecedora. “É sempre muito bom fazer parte de iniciativas importantes, e tendo participado de outras adaptações de datasets da base de dados da ecoinvent e ter passado pelo árduo trabalho de levantar dados para recontextualizar alguns poucos datasets, foi enriquecedor e gratificante descobrir que existem maneiras mais rápidas e abrangentes para adaptação de datasets”, pontua.
Como potenciais usuários dos dados quando forem publicados, a Suzano considera o projeto um divisor de águas na gestão da sustentabilidade no país. “Estamos bastante satisfeitos e seguros com o processo, principalmente pelo fato de todo o trabalho ter sido executado e acompanhado por especialistas, com grande expertise e reconhecida competência técnica”, declara Maria Augusta.
Nesse sentido, a executiva diz que a iniciativa pode ser considerada um divisor de águas ao passo que subsidia um movimento importante de compreensão técnica, atual e realista do contexto produtivo brasileiro, fundamental para a tomada de decisões estratégicas. “Essa maior qualidade técnica da informação de base também facilita muito o trabalho dos especialistas, contribuindo com a redução do tempo e o custo de desenvolvimento, o que possibilita disseminar ainda mais essa importante ferramenta no território nacional”, atesta.
A Braskem é uma das empresas brasileiras que mais se utiliza da Avaliação de Ciclo de Vida, que tem guiado as estratégias de desenvolvimento de novos produtos, novas tecnologias e de novas aplicações para o plástico e até mesmo a seleção de matérias-primas alternativas aos combustíveis fósseis. Com esse referencial, Yuki Kabe diz que a estratégia de médio e longo prazo da Braskem é fortemente pautada no pensamento de ciclo de vida e, portanto, na sua visão, um incremento na precisão e aplicabilidade desta ferramenta no Brasil é extremamente bem-vindo. “Por isso, contribuímos financeiramente e alocamos tempo e dedicação de nossos profissionais para o projeto também”, informa.
Yuki, que está envolvido na comunidade de ACV Brasileira desde 2002 e vem acompanhando todos os esforços desta comunidade pequena para disseminar o Pensamento de Ciclo de Vida em nível nacional, expressa sua felicidade em ter feito parte deste projeto: “é muito bom poder contribuir num esforço que certamente vai ajudar as empresas brasileiras a serem mais sustentáveis”, observa.
A empresa BASF, que também participa como patrocinadora do projeto, tem uma tradição de quase 30 anos na condução de estudos de ciclo de vida, e no desenvolvimento de ferramentas gerenciais, extraindo toda a riqueza que um estudo de ACV proporciona, para orientar a tomada de decisão estratégica. “Ao apoiarmos a Pedra Fundamental da Rede ACV, queremos contribuir com a consolidação do banco nacional de inventários, um aspecto que, baseado na nossa experiência concreta, é fundamental para o avanço do pensamento de ciclo de vida e da Sustentabilidade na sociedade”, salienta Rodolfo Viana, gerente senior de Sustentabilidade da companhia.
Intercâmbios construtivos integram o pensamento do ciclo de vida
A conclusão da Pedra Fundamental é mais um passo para avançar na Missão da Rede ACV: mobilizar as empresas, articular governos e educar o consumidor visando incorporar o Pensamento de Ciclo de Vida e a Avaliação de Ciclo de Vida (ACV) como conceito e ferramenta para determinar a sustentabilidade dos produtos.
O trabalho gera muitas expectativas e agrega valor aos esforços da Rede ACV em proporcionar que a comunicação ao consumidor dos produtos brasileiros fique mais adequada em caso de rotulagens que considerem a ACV. Com base nisso, Leonardo Guimarães Ribeiro, especialista de Meio Ambiente da ArcelorMittal Brasil, pontua que a iniciativa também pode promover a redução no custo dos estudos pois, caso de fato uma empresa quisesse realizar um estudo com dados brasileiros, haveria a necessidade de um esforço de horas adicionais para adaptá-los ao contexto, algo que a Pedra já entregará.
Além disso, Ribeiro reforça que mesmo que um estudo específico fizesse a adaptação, teria que explicar a metodologia utilizada, correndo o risco de não ser aceita em uma revisão. “No caso, o projeto da Pedra Fundamental já fez isso, ou seja, a adaptação passou por uma banca de especialistas que envolveu governo, iniciativa privada, empresas de consultoria e foi validada pelos especialistas da ecoinvent”, referenda.
Neste âmbito, as parcerias são o caminho a seguir para a sustentabilidade global. Com ações nessa direção, a ecoinvent retrata que a colaboração é imperativa para aumentar a sensibilização, bem como para promover a utilização e aceitação do pensamento do ciclo de vida e da ACV entre os diversos grupos de interessados. Carl Vadenbo avalia que da mesma forma, nenhuma fonte única de dados ou fornecedor de bases de dados pode satisfazer as exigências de informações de base de todos os casos de utilização ou grupos de utilizadores. “Isto significa que a consistência e a interoperabilidade dos dados entre diferentes fontes de informações é crucial”, informa.
É por isso que, segundo os membros da equipe, a associação ecoinvent trabalha diretamente com outras iniciativas de bases de dados, e apoia orgulhosamente os esforços internacionais como a Rede Global de Acesso a Dados de ACV, (GLAD em sua sigla em inglês).
Carl Vadenbo e Emília Moreno Ruiz comunicam que os próximos passos da ecoinvent baseados nestes conjuntos de dados revisados estão inclusos 30 novos conjuntos de dados da Pedra Fundamental na nova publicação da base de dados ecoinvent (versão 3.8, lançada em setembro de 2021). “Os dados estão igualmente em processo de disponibilização através da base de dados nacional do LCI (SICV Brasil)”, contam os executivos.
Para os membros da equipe da ecoinvent, os intercâmbios construtivos entre a Rede ACV, os fornecedores de dados, peritos externos e revisores, e a equipe ecoinvent durante a submissão e integração da base de dados, os levaram a identificar várias áreas potenciais para melhorias adicionais. “Estas áreas serão avaliadas e priorizadas à medida que começamos a preparar o próximo lançamento da base de dados ecoinvent (em 2022)”, informam Emília Moreno Ruiz e Carl Vadenbo.
Por hora, eles ressaltam que as redes locais/regionais de ACV são cruciais para o alinhamento dos esforços de integração do pensamento do ciclo de vida e para a promoção da aceitação e aplicação prática da ACV. “Também criam plataformas externas onde atores de diferentes setores ou indústrias podem se reunir para trocar aspectos comuns de sustentabilidade, como desenvolvimentos metodológicos, qualidade e disponibilidade de dados, normas/rótulos ambientais, entre outros. Isto é crucial para estabelecer uma ampla sensibilização e aceitação para avaliações de sustentabilidade baseadas no ciclo de vida”, frisam.
Fortalecimento do Banco de Dados Brasileiro
Os especialistas, validadores técnicos e apoiadores alimentam expectativas que vão ao encontro dos objetivos da Rede ACV ao atuar para criar um ambiente de cooperação para o uso de ACV no Brasil; educar e capacitar a sociedade sobre este conceito, sua aplicação e benefícios; disponibilizar e disseminar para diversos públicos informações sobre ACV no Brasil e influenciar e apoiar o governo para o fortalecimento do Banco de Dados Brasileiro.
Tiago Rocha, da ACV Brasil, reforça a importância de acreditar no propósito do projeto. “Quebramos a máxima, usualmente aplicada, de que não é possível desenvolvermos inventários do ciclo de vida nacionais e contribuímos para aprimorar o nível dos estudos e a precisão dos resultados. Aprendemos que é viável o acesso a informações de qualidade e que o investimento na construção de bases de dados, mesmo que atrelada a outra pré-existente, gera bons frutos. É preciso pensar este tema com viés menos imediatista, tendo em mente uma visão de longo prazo e de melhoria contínua da qualidade dos dados”, avalia.
Ele ressalta que para a ACV Brasil este projeto foi uma oportunidade excelente para aprofundar o conhecimento sobre a estrutura interna da ecoinvent e quão emaranhada, no bom português, ela é, com milhares de conexões e uma trama riquíssima. “Adicionalmente, pudemos identificar com a ajuda do software SimaPro quais processos poderiam ser priorizados para uma próxima rodada de coleta de dados”, explica.
Sobre as expectativas com esse projeto a partir de agora, Rocha declara que gostariam de expandir este esforço para coletar dados primários das indústrias no Brasil. “Vamos incentivar as empresas da Rede a fornecerem dados dos seus processos produtivos com foco prioritário no setor de plástico, papel e aço”, afirma.
Thiago Oliveira Rodrigues, do Ibict, por sua vez, expressa que espera que seja a primeira pedra, que promova mais sinergia entre os setores envolvidos e provoque uma “competição saudável” entre o desenvolvimento de inventários de produtos brasileiros e a recontextualização de inventários. “E que tenhamos mais clareza sobre o potencial dessa via da recontextualização, para quais produtos esse caminho é mais efetivo que a construção de inventários ´do zero´”, salienta.
Para ele, a expectativa maior é ver o SICV Brasil cheio de inventários, recontextualizados e desenvolvidos pelos seus profissionais “acevistas” e a ACV brasileira apresentando resultados mais robustos e confiáveis para amparar o desenvolvimento nacional mais sustentável.
O fato de que a Pedra Fundamental focou os esforços na disponibilização de dados de importantes setores brasileiros (energia, transporte, combustíveis), construindo um alicerce sólido para que outros datasets possam ser gerados é um fator-chave para alimentar as expectativas de Juliana Picoli, da FGV. “Conto que com este pontapé inicial, dado pela Pedra Fundamental, muitos outros datasets sejam disponibilizados, incluindo produtos importantes da economia brasileira e produzidos pelas empresas membro da Rede ACV ou suas associações setoriais, como o aço, papel e celulose, fertilizantes”, complementa.
Pedra Fundamental inaugura nova fase dos estudos em ACV
Jardel Farias Duque, da ANP, espera que a equipe da ACV tenha êxito na atualização contínua das suas bases de dados e no seu objetivo de mobilizar empresas, governo e consumidores na utilização da Análise de Ciclo de Vida para avaliação da sustentabilidade de produtos. “A ANP segue de portas abertas para discutir tecnicamente todos os aspectos e dados do setor de petróleo, gás e biocombustíveis”, pronuncia.
Edivan, da EnCiclo, ressalta a importância do comprometimento empresarial para consolidar os objetivos do projeto. “Para o Brasil, espero sinceramente que aumente o engajamento das empresas brasileiras, principalmente para fornecer dados primários para essa recontextualização, mas também para estender essa iniciativa para outros produtos da base de dados. Em nível internacional, pensando nas cadeias globais, mesmo nas empresas com plantas no Brasil, gostaria de ver uma recontextualização como essa para outras geografias”, assinala.
A expectativa de Maria Augusta, da Suzano, é que o movimento continue conferindo cada vez mais consistência às análises de ciclo de vida, potencializando o avanço e o alcance da temática, além de proporcionar uma melhor representação da produção brasileira em análises e regulamentações nacionais e internacionais.
Yuki Kabe, da Braskem, traça um retrato poético em torno da iniciativa em prol da Pedra Fundamental da Rede ACV. “Na antiguidade, quando se construía em pedra, a pedra fundamental ou pedra de esquina era a primeira pedra a ser assentada na esquina do edifício, formando um ângulo reto, e que determinaria o local de todas as outras pedras. Era a mais importante e apenas artesãos muito experientes conseguiam cortar uma pedra de forma tão precisa. Sem ela o edifício todo poderia ficar torto ou até mesmo ruir. Chamamos este projeto de `pedra fundamental´ justamente porque cremos que isso vai dar solidez ao banco de dados nacional de ACV. Mas sabemos que ela é apenas a primeira de muitas pedras que vão construir este edifício. Agora precisamos nos dedicar às demais, mas este trabalho certamente tornou o resto mais fácil”, expõe.
Por parte da ecoinvent, Carl Vadenbo e Emília Moreno Ruiz, expressam que além de continuar a colaboração frutífera com a Rede ACV e a equipe por parte do SICV Brasil para melhorar a disponibilidade de dados para o Brasil, poderia ser colocada ênfase na recolha de feedback e recomendações dos membros da Rede ACV e outros interessados nacionais para melhor compreender se e como os conjuntos de dados criados nesta primeira fase satisfazem as suas necessidades/expectativas.
Os trabalhos nesse âmbito, visando a expansão dos estudos de ACV para outros setores econômicos, estão sendo alinhados. A coordenadora do GT Banco de Dados da Rede ACV, Marília Folegatti, comunica que o GT já definiu prioridades para o novo ciclo que se inicia a partir da conclusão da Pedra Fundamental da Rede ACV. “Vamos investir esforços na geração de inventários para os setores do aço, fertilizantes, celulose e papel”, destaca.
Leonardo Guimarães Ribeiro, que também preside o Conselho Deliberativo da Rede ACV, assegura que entre as motivações que propiciaram o desenvolvimento da Pedra Fundamental está a de contribuir para uma base de dados adequada para a ACV Nacional. “E a ideia foi iniciar por algo que é a base de grande parte dos estudos em ACV”, conclui.