A mudança climática é um dos maiores desafios do nosso tempo. Seus impactos, que afetam desde a produção de alimentos até o aumento do nível do mar – aumentando o risco de inundações catastróficas – têm desestabilizado as sociedades e o meio ambiente de uma maneira global e sem precedentes. Para refletir sobre os impactos das atividades humanas sobre o clima no planeta e buscar soluções para enfrentá-los, foi criado o Dia Nacional de Conscientização sobre as Mudanças Climáticas, celebrado no dia 16 de março.
A data foi estabelecida pela lei nº 12.533/2011 para viabilizar debates e mobilizações em torno de alternativas mais sustentáveis para as mais diversas áreas. Foi em 16 de março de 1998 que se abriu o processo de reconhecimento ao Protocolo de Kyoto, tratado internacional articulado para levar países desenvolvidos a reduzir suas emissões de gases do efeito estufa, especialmente CO2. O mote é reforçar que o “agir local ajuda o global”.
Uma dessas consequências das atividades humanas no planeta é o aumento da temperatura média da terra nos últimos anos, cuja principal causa relaciona-se ao acréscimo da emissão de gases de efeito estufa – como o dióxido de carbono (CO2) que, em 2020, alcançou o recorde histórico de 417 ppm (partes por milhão). Com as intervenções humanas como principal causa, o Brasil ocupa a 4ª posição no ranking mundial de emissão de gases poluentes desde 1850.
Os efeitos causados pelas mudanças climáticas já afetam diariamente parte da população mundial. Em regiões marginalizadas e vulneráveis, os efeitos causados pelos eventos climáticos extremos, degradação de terras e falta d’água são mais severos e prejudicam até mesmo a saúde da população.

Samanta Pineda, advogada especialista em Direito Socioambiental
Segundo Samanta Pineda, advogada especialista em Direito Socioambiental, que esteve presente na 27ª Conferência Mundial do Clima (COP 27) no ano passado, realizada em Sharm el-Sheikh, “a população passou a emitir mais gases de efeito estufa (GEE) desde o século XVIII, esse não é um problema novo. Já passou da hora de agirmos contra esse mal”, pontua.
Segundo Luiza de Araujo Furiatti, advogada especialista em Direito Ambiental e sócia do escritório de advocacia Pineda & Krahn, “nem todo mundo entendeu de fato o que esse problema vem causando e quais as severas consequências que pode vir a chegar se não buscarmos formas de desacelerar essas mudanças. Essa data é uma oportunidade de aumentar as discussões sobre o tema em escolas, universidades, empresas e até mesmo servir como alerta para grandes líderes mundiais”, observa.
Dia Nacional de Conscientização sobre as Mudanças Climáticas
As especialistas lembram que temos um curto prazo para uma solução. Desde o ano passado, o Brasil sofre as consequências de eventos extremos do clima, como calor e umidade ultrapassando a tolerância humana, e caso não busquemos soluções para conter o aumento da temperatura abaixo de 1,5ºC, teremos impactos irreversíveis ao planeta.
“Eu vejo que infelizmente ainda falta muito para avançarmos sobre esse assunto. A COP é um evento que é realizado todos os anos, mas nessa última edição senti que faltaram medidas concretas nos acordos firmado pelas partes, ou seja, não houve definição sobre origem, transferência ou gestão de recursos, sobre projetos ou formas de fazer acontecer o Acordo de Paris”, diz Samanta Pineda, que também é sócia do escritório de advocacia Pineda & Krahn.
Transição energética no Brasil
“Precisamos de ações, como mudar significativamente a relação com as fontes de combustíveis fósseis, a fim de diminuir e neutralizar as emissões de gases liberadas na atmosfera. É importante proteger e restaurar as florestas, fazer investimentos em tecnologias para melhorar a agricultura, ajudando comunidades a construir resiliência e aumentando a produção de energia limpa. Precisamos de uma rede contra o aumento da temperatura da Terra”, reforça Luiza de Araujo Furiatti.
No Brasil, diversas atitudes estão sendo tomadas na tentativa de mitigar os gases poluentes. Segundo a especialista Samanta Pineda, um dos pontos para ajudar na diminuição das mudanças climáticas, é a realização da transição energética adequada.
“O Brasil se afirmou como um País altamente produtivo em Sharm el-Sheihk. Várias indústrias mostraram efetivamente, que é possível a adoção de economia circular, sistemas produtivos menos emissores e mercado de carbono. A transição energética é real, é possível e está aqui.”

Luiza de Araujo Furiatti, advogada especialista em Direito Ambiental
Para Luiza, a verdade é uma só: todos podem e devem ajudar a mitigar as mudanças climáticas. “Uma simples ação do dia a dia já auxilia. Precisamos fomentar todas as ações previstas na Agenda 2030 e nos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU e ampliar cada vez mais esse debate no País”, explica.
Cenário futuro
Para Renata Franco, especialista em Direito Ambiental e Regulatório do escritório Renata Franco Advogados, já foi a época em que as mudanças climáticas eram vistas como um tema controverso. A advogada destaca que hoje, o aumento da temperatura média da Terra está cientificamente comprovado e amplamente aceito e, conforme conseguimos ver ao longo dos anos, os seus impactos se tornaram incontestáveis. “Dá-se como exemplo: a elevação do nível do mar, o derretimento de geleiras, a intensificação de tempestades, dos períodos chuvosos e de secas, o aumento de desastres naturais, dentre outros fenômenos, além da ameaça à existência de diversas espécies e de seus respectivos habitats”, enumera.
A especialista ressalta que os efeitos das mudanças climáticas e o aquecimento global já estão sendo sentidos, embora aparentemente estejam longe do nosso cotidiano. “É muito importante saber que, se nada for feito agora, será muito mais difícil uma mudança do cenário no futuro”, avalia.
Nesse sentido, dentre as medidas urgentes a serem implementadas para combater as mudanças climáticas e os seus impactos, ela destaca o compromisso do ser humano, ou seja, o agir local para ajudar o global, freando o consumismo excessivo e adotando práticas mais sustentáveis, por exemplo.

Renata Franco, especialista em Direito Ambiental e Regulatório
E para colaborar com o combate às mudanças climáticas, a executiva lista algumas ideias:
- Verificar a procedência dos produtos que consome, optando sempre por produtos de origem sustentável, com os devidos selos ou certificados ambientais;
- Apoiar iniciativas de carbono neutro;
- Dar prioridade a atividades que reduzam a emissão de GEEs;
- Buscar formas alternativas aos combustíveis fósseis;
- Evitar o consumo de produtos plásticos, buscando optar sempre por embalagens e produtos reutilizáveis;
- Separar os resíduos para reciclagem;
- Diminuir o consumo de carne;
- Trocar as lâmpadas amarelas pelas fluorescentes e/ou de LED;
- Ajudar na disseminação de informações e na conscientização da população em geral.
Combate ao desmatamento
A crise climática tem mobilizado ações em todo o País, principalmente para combater o desmatamento. Neste rol, iniciativas como “O Meio Ambiente Ganha em Dobro”, da Jungheinrich, são exemplos bem-sucedidos. Parte de um movimento potente, o programa visa a recuperação do meio ambiente, por meio do reflorestamento da Mata Atlântica, realizado em parceria com Associação Ambientalista Copaíba, em pouco mais de um ano a empresa alemã já plantou 5.600 mudas de árvores nativas.

Reflorestamento ajuda no combate à mudança do clima
“Nossa iniciativa surgiu com o objetivo de estimular outras empresas a trocarem suas frotas à combustão por equipamentos elétricos. Com essa responsabilidade ambiental firmada com nossos parceiros, já poupamos mais de 316 mil árvores, ajudando na diminuição do CO2 . Para além deste, que já é um grande motivo, é possível movimentar a economia local, uma vez que adquirimos as mudas em produções próximas à área plantada”, pontua Vigold Georg, vice-presidente da Jungheinrich, empresa especializada em intralogística.
Tendo em vista que a questão do reflorestamento deve ser uma pauta presente e ativa na vida de cada cidadão, ele destaca cinco motivos para propagar essa iniciativa:
- Manutenção da biodiversidade: Ainda que não sejam grandes o suficiente para a formação de florestas, áreas formadas por árvores são fundamentais para a preservação da biodiversidade, já que possibilitam que fauna e flora possam se reproduzir em áreas adequadas. Mitigando os efeitos causados pela fragmentação dos ecossistemas, os chamados corredores ecológicos ajudam a promover uma ligação entre áreas diferentes, o que propicia o deslocamento de animais, a dispersão de sementes e o aumento da cobertura vegetal, por exemplo.
- Proteção das bacias hidrográficas: O reflorestamento ajuda não só a recuperar as matas ciliares, como também contribui para o aumento da qualidade e disponibilidade de recursos hídricos, uma vez que auxiliam na manutenção do lençol freático, colaborando, ainda, para a prevenção de erosões e assoreamentos.
- Redução das altas temperaturas: Capazes de absorver calor e reduzir o nível de gases poluentes, as árvores podem diminuir a temperatura em até 3º, além de melhorar a umidade do ar.
- Controle de enchentes e alagamentos: As árvores também são fontes de prevenção contra enchentes e alagamentos, pois aumentam a infiltração de água da chuva no solo. Quando não há vegetação, a chuva arrasta os sedimentos (materiais sólidos e semi-fluídos) da superfície para as partes mais baixas, acumulando-os nos canais de drenagem. A consequência são as enchentes e os deslizamentos que têm sido frequentes em algumas regiões do País.
- Promoção da economia local: Com produção eficiente e ambientalmente sustentável, os pequenos produtores também acabam beneficiados pela garantia de recursos hídricos, melhora na qualidade do solo e aumento da produtividade, considerando a proximidade das áreas cultivadas com as áreas restauradas ecologicamente e que servem de abrigo para uma grande diversidade de polinizadores, como as abelhas.
Políticas Públicas Urbanas
Soluções para combater a crise climática existem. No Brasil, o Plano Nacional de Adaptação (PNA), lançado em maio de 2016, é uma delas, mas ainda está na gaveta. O PNA visa adaptar cidades aos fenômenos climáticos extremos e precisa ser atualizado e implementado com urgência, uma vez que as tempestades que têm castigado diferentes regiões do Brasil neste início de ano – Sul, Sudeste e, agora, Norte -, deixando mortos, desaparecidos, desabrigados, desalojados e infraestruturas comprometidas, traz à tona novamente a necessidade de aprofundar o debate sobre as políticas públicas urbanas no Brasil.
Diante da tendência de chuvas fortes como essas tornarem-se mais comuns nos próximos anos, medidas para adaptação e resiliência das cidades devem ser realizadas com urgência, de acordo com especialistas. Segundo André Ferretti, membro da RECN e gerente de Economia da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, o PNA é uma das medidas para reduzir o impacto de eventos climáticos extremos.
Segundo ele, além de todo o esforço para reduzir rapidamente as emissões de gases de efeito estufa, é necessário investir imediatamente em estratégias de adaptação ao novo cenário climático. “O PNA traz propostas muito interessantes, mas ficou esquecido. Com raríssimas exceções em realidades locais e estaduais, pouco foi feito desde então. É preciso revisar, atualizar e, principalmente, implementar o PNA com a máxima urgência”, frisa.

PNA é uma das medidas para reduzir o impacto de eventos climáticos extremos
Carlos Rittl, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) e especialista em políticas públicas da Rainforest Foundation da Noruega, salienta que diante do impacto que os fenômenos climáticos provocam na vida da população ao redor do planeta, todas as políticas públicas urbanas deveriam considerar as mudanças do clima. “Não podemos pensar em soluções para este problema de forma fragmentada e, tampouco, desconsiderar estas tendências na formulação das políticas públicas. Todo o planejamento urbano, contemplando as políticas de habitação e infraestrutura, deve incorporar, de uma vez por todas, a questão climática na análise de risco”, afirma.
Em relação às áreas de maior risco, além de políticas habitacionais adequadas, Ferretti defende a adoção de Soluções Baseadas na Natureza, conforme já estabelecido no PNA como um dos princípios a serem considerados nas estratégias de adaptação. “É necessário criar unidades de conservação onde ainda tem vegetação preservada em áreas sensíveis, garantindo que esses terrenos não sejam ocupados irregularmente e possam oferecer serviços ecossistêmicos para a população. Em áreas de risco onde a vegetação foi perdida, é possível restaurar, gerando inúmeros benefícios. Ao considerar a natureza como solução, muitas vezes combinada com obras de infraestrutura convencional, além de reduzir os impactos das enchentes, também é possível combater outros problemas, como secas, perda da biodiversidade, ondas de calor, entre outros efeitos do aquecimento global”, pontua o gerente da Fundação Grupo Boticário.
Outro aspecto ainda pouco presente nesse debate, na opinião de Rittl, é a responsabilização das autoridades frente às tragédias, que não podem ser encaradas apenas como “acidentes”. “Ainda há espaço para se apurar a responsabilização jurídica de agentes públicos sobre sua inação frente aos riscos crescentes que enfrentam as populações vulneráveis de áreas de risco diante de eventos climáticos cada vez mais fortes e mais frequentes”, comenta o especialista.
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