As negociações da chamada “COP da Implementação”, a 27ª Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas (COP27) terminou, no início do dia 20 de novembro, em Sharm El-Sheikh, no Egito, com a criação um revolucionário fundo para financiar perdas e danos climáticos nos países mais vulneráveis do mundo. No entanto, segundo considerações divulgadas pelo Observatório do Clima (OC), em relação aos resultados desta edição da conferência, as divisões de sempre entre países ricos e pobres fizeram com que o encontro terminasse sem um acordo substantivo sobre o que deveria ser o ponto principal de conversa – como acelerar o corte de emissões de modo a evitar que o aquecimento global ultrapasse 1,5oC neste século.
Para o OC, a chamada “decisão de capa” da COP27 apenas repete, de forma mais diluída, aquilo que já havia sido acordado em 2021 em Glasgow: que o mundo precisa estabilizar a elevação de temperatura segundo a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris. Diferentemente de Glasgow, porém, Sharm El-Sheikh ignorou os combustíveis fósseis. Pressões de último minuto de potências petroleiras como a Arábia Saudita e a Rússia – cuja invasão da Ucrânia aumentou a insegurança energética no mundo e o uso de combustíveis fósseis – fizeram com que a menção de Glasgow a uma redução gradativa (“phase down”, no jargão dos diplomatas, que já era insuficiente) dos combustíveis fósseis fosse eliminada do texto.
Resultados insuficientes
O texto da COP27 faz apenas referência, pela primeira vez, a energias renováveis e de “baixa emissão”. Pode parecer um avanço, mas é insuficiente para a ciência e deve acabar justificando uma sobrevida ao gás natural. Com isso, o principal documento político da COP, que os europeus esperavam que fosse um “Glasgow Plus”, ou seja, um avanço em relação à COP26, acabou virando o que alguns negociadores chamaram de “Glasgow Minus”.
Outro resultado que deixou a desejar, segundo o Observatório do Clima, foi o chamado Programa de Trabalho em Mitigação (MWP, ou Mitigation Work Program). “Ele foi criado também em Glasgow, com o objetivo de acelerar o corte de emissões dos países para manter o 1,5oC ao alcance. Neste ano, alguns países desenvolvidos, em especial a UE e o Reino Unido, esperavam que ele avançasse na determinação de ajustes anuais ou bienais na metas até que o corte de emissões necessário para o alcance da meta (43% em 2030) fosse atingido”, explica.
Só que os países em desenvolvimento, entre eles o Brasil, acabaram por censurar o programa. Segundo o G77, o bloco de negociação que reúne 130 economias pobres e emergentes, não se pode inventar um novo ciclo de metas para os países, já que o Acordo de Paris estabeleceu que o ajuste coletivo na ambição é feito de cinco em cinco anos apenas (mas a qualquer tempo qualquer país pode aumentar a meta de sua NDC, ou Contribuição Nacionalmente Determinada). “Para esses países, mexer no calendário das NDCs equivale a renegociar o acordo do clima. O texto acordado em Sharm El-Sheikh para o Programa de Trabalho em Mitigação explicita que ele será ‘não-prescritivo e não-punitivo’, além de não impor novas metas, o que, na prática, pode prejudicar os resultados”, destacam.
Financiamento climático
Outro ponto que deixou a desejar nesta COP27 é o financiamento climático. Os US$ 100 bilhões anuais de 2020 a 2025 prometidos pelos países desenvolvidos continuam sem definição sobre quando e como serão pagos. Já são três anos de promessas não cumpridas. Os recursos foram cobrados pelo presidente eleito do Brasil em seu discurso na COP. No início da conferência, a primeira-ministra de Barbados, Mia Amor Mottley, também pediu uma revisão do sistema financeiro global “injusto e obsoleto”. “A decisão de capa faz apenas um convite aos bancos multilaterais de desenvolvimento e às instituições financeiras internacionais a reverem suas práticas e instrumentos de financiamento climático”, informa o Observatório do Clima.
O avanço de Sharm El-Sheikh ficou por conta do fundo de perdas e danos. Depois de três décadas de pressão dos países-ilhas para que os maiores responsáveis pela crise climática custeassem os prejuízos causados por eventos extremos aos quais já não cabe adaptação, como ciclones e enchentes, enfim o tema entrou na agenda da negociação na COP27. “Os países ricos sempre resistiram a isso, com medo de abrir uma avenida para o litígio internacional – afinal, pagar por perdas e danos equivale a reconhecer que eles devem compensação pelo estrago que fizeram na atmosfera e que afeta de maneira desproporcional as nações que menos esquentaram o planeta”, observa o OC.
No final, chegou-se a uma solução de compromisso, com ajuda de uma manobra da União Europeia: houve a decisão de criar um fundo para assistência “aos países mais vulneráveis”, mas a única coisa de concreta a sair da COP27 foi a definição de que um comitê de transição com 24 integrantes, sendo 10 de países desenvolvidos e 14 de países em desenvolvimento, que vai discutir como o fundo será estruturado e operacionalizado até a COP28. Além disso, um parágrafo da decisão fala em estudar “uma variedade de fontes” de financiamento, o que não exclui arrancar contribuições dos países em desenvolvimento, como China, Índia e Brasil.
Entraves para a ambição climática
Para Stela Herschmann, especialista em Política Climática do Observatório do Clima, se por um lado foi alcançado um resultado histórico com a criação de fundo para perdas e danos, por outro andamos de lado mais uma vez em relação à ambição climática. “Um ano já se passou desde Glasgow e o que vimos foram países querendo retroceder. Temos agora apenas sete anos para cortar as emissões de gases de efeito estufa pela metade para limitar o aumento da temperatura a 1,5oC. O programa de trabalho em ambição climática aprovado não garante que as reduções vão acontecer na velocidade que precisamos”, avalia.
“Melhoramos a distribuição do remédio, mas não avançamos no tratamento da doença”, disse Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima. “Sem um aumento significativo na ambição das metas nacionais e sem atingir o nível de financiamento adequado para adaptação e mitigação, o fundo de perdas e danos será um eterno trabalho de Sísifo, vencido constantemente por uma realidade climática cada vez mais violenta. Não vai haver recurso de perdas e danos que baste.”
Embora a inclusão de uma agenda de perdas e danos nas negociações oficiais tenha sido um avanço importante desta COP, ainda há muito a se fazer. “É muito difícil que seja de fato criado um mecanismo novo por onde o financiamento possa fluir dos países que mais contribuíram para a crise climática para os em desenvolvimento, que já estão sendo atingidos por ela”, afirma Renata Piazzon, diretora do Instituto Arapyaú e secretária-executiva da iniciativa Uma Concertação pela Amazônia, rede formada por 500 lideranças de diferentes setores que atuam por essa região.
Ela lembra que os mesmo os mecanismos que já existem e foram acordados em COPs anteriores, como aqueles para direcionar recursos para mitigação e adaptação dos países mais pobres, ainda funcionam plenamente.
O balanço sobre a implementação do Acordo de Paris, tema da COP 27, mostra que os países ainda estão aquém do que é necessário. “É preciso que plataformas de negociação multilaterais como a COP se mostrem efetivas para acelerar a implementação do Acordo de Paris, caso contrário correm o risco de cair em descrédito”, afirma Roberto Waack, cofundador da Concertação. Aprovado em 2015, o Acordo é um tratado mundial que tem como objetivo reduzir as emissões de gases de efeito estufa para limitar o aumento médio de temperatura global, e envolve temas como adaptação e financiamento para mitigação das mudanças climáticas.
Em posicionamento divulgado na manhã de domingo (20/11), o secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que a COP27 deu um “passo importante” em direção à justiça para aqueles que fizeram tão pouco para causar a crise climática (incluindo as vítimas das recentes inundações no Paquistão que inundaram um terço do país), mas falhou na questão prioritária da redução de emissões. “Precisamos reduzir drasticamente as emissões agora – e essa é uma questão que esta COP não abordou”, declarou Guterres. “Um fundo para perdas e danos é essencial, mas não é uma resposta se a crise climática tirar um pequeno estado insular do mapa ou transformar um país africano inteiro em deserto. O mundo ainda precisa de um salto gigantesco na ambição climática”, alertou.
Brasil no debate ambiental
Para o Brasil, e em especial para a Amazônia, esta Conferência do Clima é marcante porque evidenciou a volta do país ao debate internacional. A presença do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva no evento evidenciou a centralidade da pauta climática em seu governo.
A sociedade civil brasileira, por sua vez, mostrou-se mais uma vez mobilizada em suas demandas, propostas e contribuições na COP. “É uma postura resiliente, construída nos últimos anos diante do pouco interesse do governo federal nas pautas climática e ambiental. Nesse período, ela reforçou a geração de conhecimento sobre o tema e, o que é muito relevante, aprendeu a se articular politicamente”, destaca Renata Piazzon, da Concertação pela Amazônia.
“A sociedade civil brasileira tornou-se parte indissociável da política externa”, completa Waack, cofundador da Concertação. “Uma novidade importante neste ano foi a participação mais contundente dos movimentos sociais ligados às causas de quilombolas, negros e da periferia.” Representantes da juventude e dos povos originários, que já haviam se destacado na edição do ano passado, também voltaram a marcar presença.
Para a Concertação, a COP representou também o lançamento internacional do documento “100 primeiros dias de governo: propostas para uma agenda integrada das Amazônias”. O plano foi apresentado em debates e entregue a lideranças internacionais e nacionais, além do presidente eleito.
Baseadas em um olhar sistêmico para a região, as recomendações propõem ações que podem ser tomadas logo no início da nova gestão e em médio e longo prazos, abrangendo áreas que vão de saúde, educação e segurança pública a ordenamento territorial e combate à fome, passando por ciência, tecnologia e inovação.
Vale lembrar que, pela primeira vez em uma COP, os estados amazônicos montaram um espaço próprio, o Hub Amazônia Legal, que foi bastante procurado, com discussões sobre o combate ao desmatamento e o desenvolvimento sustentável.
Indústria brasileira na COP27
O setor industrial brasileiro também marcou presença nesta edição da COP, representados por entidades corporativas como a CNI – Confederação Nacional da Industria e o CEBDS – Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável.
Robson Braga de Andrade, presidente da CNI, declarou, no dia 16/11, na abertura do Brazilian Industry Day, que além dos investimentos em processos de produção mais sustentáveis, a indústria brasileira tem sido uma importante provedora de soluções para a descarbonização da economia. A participação da CNI buscou aprofundar o debate acerca dos quatro pilares de sustentabilidade da indústria e apresentar experiências bem-sucedidas das empresas brasileiras.
Andrade destacou que entre as inovações nessa área estão o desenvolvimento de novas fontes de energia renovável, como o etanol de segunda geração, a produção de bioinsumos para a agropecuária capazes de reduzir as emissões de metano, fármacos e cosméticos que valorizam os ativos naturais e contribuem para a conservação da biodiversidade e das florestas.
“Para incentivar a expansão dos investimentos em modelos sustentáveis e promover o pleno desenvolvimento da bioeconomia no país, é preciso aumentar a competitividade da nossa indústria. Devemos, entre outras medidas, adotar uma política industrial moderna, que estimule a inovação e a produção de tecnologias socioambientais. É necessário que o plano também promova as fontes renováveis e a eficiência no uso da energia. Isso pode trazer vantagens competitivas para as empresas e garantir um lugar de maior destaque para o Brasil no cenário internacional”, disse o dirigente.
O presidente da CNI atenta que no atual cenário global, em que há risco de desaceleração da economia, o combate às mudanças climáticas deve ser combinado com iniciativas que garantam a segurança alimentar e o abastecimento de energia para a população de todo o mundo, em especial nos países pobres. Para isso, defendeu a união de esforços para buscar soluções adequadas e para construir um futuro sustentável, com oportunidades para todos.
“As ações em favor do combate às mudanças do clima devem ser combinadas com medidas que incentivem o crescimento duradouro da economia”, disse, ressaltando que indústria brasileira é indispensável para ampliar os investimentos em tecnologias limpas e criar empregos de qualidade para a população.
Alcance das metas climáticas
A participação da CNI na COP27 faz parte das iniciativas do setor industrial para ampliar o debate sobre a transição para uma economia de baixo carbono, ou seja, incorporando tecnologias limpas e processos produtivos mais eficientes e que causam o menor impacto possível no meio ambiente, reduzindo ou eliminando a emissão de gases de efeito estufa. E para que o Brasil alcance as metas climáticas, a entidade tem estimulado ações empresariais e atuado junto ao governo brasileiro, defendendo a implementação de um plano consistente de descarbonização da economia.
As recomendações preparadas pela Confederação para o governo brasileiro nesta Conferência priorizam três temas: estabelecimento e operacionalização do mercado global de carbono, mobilização de recursos para assegurar o financiamento climático e avanço da agenda de adaptação à mudança do clima.
“A presença de líderes empresariais, de representantes do governo e de outros segmentos da sociedade nesta COP27 confirma que o Brasil está preparando caminho para enfrentar, de forma efetiva, o desafio das mudanças climáticas e os efeitos negativos do aquecimento global”, disse o presidente.
Participaram da abertura do Brazilian Industry Day o secretário nacional da Amazônia, Marcelo Freire, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Joel Ilan Paciornik, e o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Benjamin Zymler. O evento prosseguiu ao longo do dia com cinco painéis com os temas ações para o desenvolvimento do mercado de hidrogênio verde no Brasil; as iniciativas da indústria para uma economia de baixo carbono; bioeconomia e florestas; neutralidade climática; e transição energética.