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Agenda global em prol da água lembra que devemos guardar para não faltar

Gestão de Recursos Hídricos e a Responsabilidade Social e Meio Ambiente são o caminho para preservar esse recurso natural

Por Sofia Jucon

Por Everton de Oliveira e Bruna C. Soldera

 

Em 2021 publicamos um artigo no Jornal O Estado de São Paulo (OESP) mostrando que“o planeta como um todo vem silenciosamente transferindo água dos continentes para os oceanos há séculos: 15 a 25% da elevação do nível dos oceanos deve-se a água que é extraída por poços dos aquíferos indo para os cursos d’água superficiais e eventualmente chegando aos oceanos”. Também em 2021 uma pesquisa do Mapbiomas mostrou que a superfície hídrica do Brasil teve uma reduçãode 15,7% nos últimos 36 anos (correspondente ao tamanho do Estado de Alagoas). São notícias alarmantes e que causam espanto! A crise climática é uma crise hídrica, ou no mínimo as duas estão intimamente conectadas.

O desastre apresentado pelo Mapbiomas mostra apenas o que é visível, sendo que os reservatórios naturais de água dos continentes, os aquíferos, que armazenam 98% de toda a água doce líquida disponível, não foram sequer mencionados. “A água que atualmente se infiltra das chuvas não é suficiente para compensar a quantidade de água que é retirada desses reservatórios, muito longe disso” (OESP, 2021).

Em um editorial para a revista Groundwater, Warren Wood e John Cherry (2021) alertam para a dimensão desse problema para a segurança alimentar do mundo. Segundoas Nações Unidas, aproximadamente 40% da irrigação global é de água de poços e o restante (60%) é de água superficial, porém Wood & Cherry (2021) atestam que estes dados ignoram uma informação hidrológica fundamental: aproximadamente metade da água superficial é proveniente de água subterrânea como fluxo de base. Portanto, o uso total da água subterrânea para a irrigação global é de 70% do total, ou seja, 40% de poços e metade dos 60% classificados como água superficial.

Não por acaso com o objetivo de chamar atenção para as águas subterrâneas, destacar seu papel e desafios, o tema das Nações Unidas para água em 2022 é “Tornando o invisível visível”.

O Brasil não é o único país que enfrenta problemas em relação a crise hídrica que afetam as águas superficiais e subterrâneas, isso ocorre em maior ou menor escala em todos os continentes onde há agricultura ou concentração populacional. Seguem alguns exemplos dentre inúmeros deles. A Índia é o país que tem a maior utilização de água de poços do mundo, sozinha, ela extrai do subsolo um terço de toda a água que é extraída por poços no mundo,e com isso rios estão secando, poços estão secando. O problema social é assustador, a cada 30 minutos um fazendeiro comete suicídio porque seus poços secaram e por isso não há água para manter sua lavoura e não podem cumprir com suas dívidas (SWAMINATHAN, 2016).

Na Líbia, a sua capital Trípoli é abastecida pelo maior projeto de abastecimento por poços que se conhece, o chamando GreatMan-madeRiver, grande rio feito pelo homem, que é na verdade um aqueduto com 2 metros de diâmetro que transporta água por mais de 2.500 km. Trata-se de água fóssil, uma água que foi armazenada por chuva e infiltração no aquífero há mais de 10.000 anos. Especialistas já noticiam os dias contados para que o reservatório seque e não forneça mais água dentro de 50 anos, devido o uso intenso os poços irão secar (MIDDLE EAST EYE, 2017).

Nos Estados Unidos, a água do Aquífero Ogallala, que se localiza na região dos Altos Planos está desaparecendo e em alguns lugares já não há mais água. A região fornece pelo menos um quinto do total da colheita agrícola anual dos EUA e se o aquífero secar, mais de US$ 20 bilhões em alimentos e fibras desaparecerão dos mercados mundiais (THE CONVERSATION, 2020).

Mais de 85% dos 34 milhões de habitantes de Uganda dependem de sistemas rurais de abastecimento de água. A maioria dos sistemas de abastecimento de água rural são fornecidos na forma de poços manuais. Se um poço não estiver presente, eles geralmente buscam água de fontes de água desprotegidas, como lagoas, lagos, riachos, que muitas vezes são suscetíveis à contaminação do gado e da agricultura (WATER SCIENCE POLICY, 2022).

O governo argelino instalou os refugiados em cinco campos em TindoufHamada, batizados com nomes de cidades do Saara Ocidental: Bojador, Dakhla, Laayoune, Auserd e Smara. Quando os acampamentos foram montados, encontrar água tornou-se um grave problema devido ao excesso de sal e iodo nos poços e à falta de tratamento da pouca água que existia em Tindouf. A maioria dos refugiados passou a depender principalmente de caminhões-pipa e entregas de alimentos da ONU, e esse ainda é o caso mais de quatro décadas depois. A água transportada hoje é subterrânea, extraída de poços profundos, em alguns casos fora dos acampamentos, e em outros casos a vários quilômetros de distância (WE ARE WATER FOUNDATION, 2022).

“Estamos maltratando nossos continentes. Precisamos ter um consumo mais econômico de água, sem dúvidas, mas isso não será suficiente” (OESP, 2021). É preciso usar a água com consciência e responsabilidade, o uso sustentável é primordial e apesar de todas as formas de economia de água as estimativas mostram que até 2050 a população mundial será de aproximadamente10 bilhões de pessoas, ou seja, um aumento de 25%, e não podemos parar de usar água.

Assim, é preciso a ter uma economia circular do ciclo da água para que possamos armazenar água suficiente nos reservatórios naturais para manter a qualidade da vida e da ecologia. Além disso, O ESG – Environmental, Social and Governance (em português Ambiental, Social e Governança) é uma realidade que está modificando o mercado, ter política e ações sustentáveis dentro das diversas organizações é um diferencial e até mandatório para o mercado e água é um dos principais focos.

A redução do uso de água potável é um dos princípios ESG mais importantes. As empresas podem, na maior parte dos casos, reduzir o consumo de água potável interna e externa, esta é uma responsabilidade ambiental para com as pessoas e o planeta (ESG LEGAL SOLUTIONS, 2021). Uma vez que as águas subterrâneas representam 98% de toda a água doce disponível na Terra é fundamental fazer um bom uso e inseri-las nos princípios e práticas de ESG. 

Cabe ainda destacar que uma pessoa só pode sobreviver sem água por 3 dias, porém mais de um bilhão de pessoas não têm acesso diário à água e mais de 2,7 bilhões de pessoas em todo o mundo encontram escassez de água por pelo menos 30 dias por ano (ESG LEGAL SOLUTIONS, 2021), sendo que em muitos lugares a água subterrânea é a única fonte de água doce, por isso é tão importante as práticas ESG que priorizem o uso sustentável das águas subterrâneas.

A gestão eficaz e práticas sustentáveis para águas subterrâneas é um dos maiores desafios dos nossos dias. Além disso, há um outro fator essencial, talvez o mais importante, a educação! É preciso fazer com que as pessoas saibam sobre as águas subterrâneas e os impactos que a sua contaminação esuperexplotação podem causar em suas vidas, é preciso tornaras águas subterrâneas conhecidas para então cobrar ações que visem a sua conservação, pois só se preserva o que se conhece! “Há tecnologia e conhecimento disponíveis para essa mudança cultural necessária e despercebida pela maioria das pessoas”(OESP, 2021).E nesse sentido o Instituto Águas Sustentável (www.aguasustentavel.org.br) e o Groundwater Project (gw-project.org) estão realizando um trabalho excepcional e transmitindo informação, educando as pessoas sobre água subterrânea!

É preciso chamar a atenção para a personagem principal: a água que se encontra sob nossos pés, invisível, nos aquíferos. O mundo precisa de água, água subterrânea!

 

Referência:

ESG LEGAL SOLUTIONS, 2021:

Water is the Most Important ESG Factor

ESTADÃO, 2021: https://digital.estadao.com.br/article/281603833663353

MAPBIOMAS, 2021: https://mapbiomas.org/superficie-de-agua-no-brasil-reduz-15-desde-o-inicio-dos-anos-90

MIDDLE EAST EYE, 2017: https://www.middleeasteye.net/opinion/trouble-ahead-gaddafis-great-man-made-river

SWAMINATHAN, 2016: https://youtu.be/PTQMyNnzqKM

THE CONVERSATION, 2020: https://theconversation.com/farmers-are-depleting-the-ogallala-aquifer-because-the-government-pays-them-to-do-it-145501

WATER SCIENCE POLICY, 2022: https://watersciencepolicy.com/article/from-the-ground-up-a-borehole-story-a2b4a886d429?language=English

WE ARE WATER FOUNDATION, 2022: https://www.wearewater.org/en/sahrawi-refugees-three-generations-without-access-to-water_350421?video=1&utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=window&utm_content=en

WOOD & CHERRY, 2021:

https://ngwa.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1111/gwat.13122

 

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Everton de Oliveira: Diretor do Instituto Água Sustentável, Geólogo e Ph.D. em Hidrogeologia pela Universidade de Waterloo, sócio-fundador da HIDROPLAN, ex-professor da UNESP/IGCE Campus de Rio Claro, da USP-IGc, e da Universidade de Waterloo, Secretário Executivo da ABAS, Editor-Gerente da Revista Água Subterrânea, Editor Associado da revista GroundWaterMonitoring and Remediation.

everton@hidroplan.com.br

 

Bruna C. Soldera: Secretária Executiva do Instituto Água Sustentável. Geógrafa, mestre em Agronomia, doutora em Geociências e Meio Ambiente, Editora Associada da Revista Águas Subterrâneas. Trabalha com os temas sustentabilidade e pegada hídrica.

bruna@aguasustentavel.org.br

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